segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Lula, segundo Bresser-Pereira

Por Gilberto Cruvinel
Mais uma análise do governo Lula. Para além do Fla-Flu emburrecedor. E não me venham com a conversa simplória de sempre de que o Bresser é mais um analista do PIG. Tenham dó.
Da Folha - 02/01/2010
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
Nesses oito anos, Lula exerceu extraordinária liderança e provou ter espírito republicano
NO BRASIL, HÁ uma frase do saber popular, "Deus é brasileiro", através da qual as pessoas manifestam sua crença na boa sorte. Cacá Diegues, a partir de uma história de João Ubaldo, fez um maravilhoso filme sobre o tema no qual Deus, cansado dos erros dos homens, sai em busca de um santo do Nordeste que o substitua enquanto ele tira merecidas férias.
Não sei se Deus é mesmo brasileiro, mas estou seguro que o foi para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos oito anos em que governou o Brasil. Nestes anos, o Brasil mudou, e mudou para melhor. E o presidente saiu consagrado, com um índice de aprovação popular de 87%.
Lula teve muita sorte -mais do que seu antecessor. Os dois falharam em um ponto, foram impotentes diante da tendência cíclica à sobrevalorização da taxa de câmbio.
Não obstante, enquanto que nos oito anos do governo Fernando Henrique as exportações aumentaram 50%, nos oito anos de Lula, 200%. Por obra e graça do Espírito Santo, graças à elevação dos preços das commodities. A abundância de dólares corrigiu as contas externas do país, mas não criou demanda para as empresas.
Esta foi sustentada e o crescimento assegurado graças a decisões de governo: o aumento do salário mínimo e as transferências para os pobres.
Não devemos, portanto, subestimar os méritos de Lula. Ele soube ajudar a sua sorte. Fez um bom governo. Um governo de centro-esquerda que beneficiou os pobres (reduziu seu número para a metade) e a burocracia pública, mas, ao contrário do que dizia o consenso hegemônico, não trouxe inflação nem prejudicou o crescimento.
Um governo que não temeu desagradar os ricos. Que foi fiscalmente responsável, exceto no último ano.
Que reagiu bem diante da crise financeira global de 2008 não obstante o atraso do Banco Central em baixar os juros.
Um governo que afinal logrou baixar a taxa real de juros para cerca da metade, para os atuais 5% ao ano, não obstante a advertência ortodoxa que a taxa "natural" de juros, abaixo da qual a inflação explodiria, era de 9%. Que não logrou impedir a sobreapreciação do câmbio, mas teve coragem de introduzir controles na entrada de capitais.
Um governo que afinal lembrou que existe o empresário e a empresa nacional ou, em outras palavras, que existe uma nação e que esta será tanto mais forte e mais capaz de competir com as demais quanto mais clara e coesa for a coalizão política unindo empresários, burocracia pública e trabalhadores.
Um governo que projetou no mundo a imagem de um Brasil independente e equilibrado.
Em uma de suas últimas falas, Lula declarou emocionado: "A minha chegada ao poder tinha que mudar o patamar de governança. Eu tinha de provar a cada dia que teria condição de governar igual ou melhor que todos os doutores que passaram pela Presidência".
As comparações entre governos são sempre muito relativas, Lula abusou delas. Ele não recebeu uma "herança maldita" de seu antecessor. Nem deixa uma herança bendita para a presidente Dilma Rousseff: o câmbio sobrevalorizado está aí sem solução à vista. Mas, nesses oito anos, exerceu extraordinária liderança, provou ter espírito republicano, e bom êxito. Deus foi brasileiro em seu governo.

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