quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Chega ao Brasil "Hitler", estudo rigoroso e obsessivo do historiador britânico Ian Kershaw

O homem que imortalizou o bordão "o trabalho liberta" --sinistro sobre o portão principal do campo de extermínio de Auschwitz-- não gostava de trabalhar. Também se orgulhava de suas temíveis Forças Armadas, que estiveram a ponto de submeter toda a Europa, mas fugiu o quanto pôde do alistamento militar em sua juventude.
"Hitler", que consumiu dez anos de trabalho do inglês Ian Kershaw, 67, apanha essas e outras contradições que o ajudam a desmontar o mito que o próprio Führer se esforçou em construir.
Na entrevista abaixo, ele também fala da habilidade inata para lidar com as massas, as estratégias eleitorais inovadoras, o uso político do antissemitismo e a relação "anormal" com as mulheres.
Obsessivo, Kershaw não larga sua presa, sobretudo em seus anos de formação: a infância entre o pai frio que o atemorizava e a mãe que o mimava, os anos de penúria vividos em um albergue em Viena, a relação ciumenta com a sobrinha --que acabaria por se matar no apartamento do tio, em Munique-- ou as manobras políticas para tornar o inexpressivo e já corrupto Partido Nazista em legenda nacional.
O resto da história é mais ou menos conhecido e formaria um capítulo tétrico do século 20.
Divulgação
Multidão saúda Hitler durante Olimpíada de Berlim, em 1936
Multidão saúda Hitler durante Olimpíada de Berlim, em 1936
No entanto, as mais de mil páginas desta versão "abreviada" (Kershaw fundiu aqui seus "Hubris" e "Nemesis") são muito bem escritas e boas de ler. Combinam com maestria pesquisa de fontes, fotos reveladoras e o aporte interpretativo da psicanálise.
Em que pese o personagem, um dos Anticristos do imaginário popular, "Hitler" é um belo presente de Natal.
Folha - O sr. diz que a elite política alemã teve várias chances para deter a ascensão de Hitler. Por que não o fez?
Ian Kershaw - Muitas pessoas o subestimaram. À época, era menos fácil do que parece hoje supor que a elite conservadora fosse incapaz de conter Hitler [1889-1945] ou que os nazistas, uma vez no poder, veriam sua popularidade se esvair tão rápido.
O sr. o descreve como um "um ator consumado" e fala de "sua capacidade de interpretar papéis". Ele tinha uma compreensão inovadora da figura do político?
Hitler tinha uma compreensão moderna dos mecanismos de mobilização de massa e da construção da imagem política. Nenhum outro político europeu, talvez com a exceção de Mussolini [1883-1945], soube explorar tão bem a mídia de massa moderna para fins políticos.
Em que aspecto ele foi original? Apenas na retórica ou como propagandista?
As linhas de seu pensamento --o antissemitismo radical, a ênfase na pureza racial e no darwinismo social-- não eram novas. Porém, o modo como as combinou para forjar uma "visão de mundo" ou uma ideologia que lhe proporcionasse um suporte consistente para sua ação política foi realmente original.
As estratégias eleitorais nazistas, como alugar aviões e vender discos e filmes, eram totalmente novas?
Sim. No que diz respeito às técnicas de mobilização, o Partido Nazista era a agremiação política mais moderna da Alemanha.
Hitler era corrupto?
A corrupção era generalizada em todo o partido, mas Hitler era menos corrupto do que outros líderes nazistas. Mas ganhou muito dinheiro com a venda de sua autobiografia, "Mein Kampf" (Minha Luta) --cuja venda era quase compulsória para os afiliados. Além disso, frequentemente usava fundos estatais para fins particulares.
Divulgação
Adolf Hitler, em postal datado de 1927
Adolf Hitler, em postal datado de 1927
O sr. afirma que ele via as mulheres como "objetos". Como era sua vida sexual?
Há muita especulação estéril sobre esse assunto --se Hitler era homossexual ou sádico ou pervertido etc.-- e sobre a natureza de seu relacionamento com sua sobrinha, Geli Raubal, e com Eva Braun.
Ninguém pode saber ao certo. Mas, se pudéssemos, não fica claro o quanto isso contribuiria para compreender seu impacto na Alemanha, na Europa e no mundo.
Seu antissemitismo era de fato tão grande ou ele se aproveitou do clima da época _no sentido de que os judeus seriam o "inimigo" mais fácil a culpabilizar pela crise por que passava a Alemanha?
Há uma consistência notável em sua visão sobre os judeus desde sua entrada na política, em 1919, e suas últimas observações, pouco antes de se matar, em 1945. Ele percebeu os usos e as limitações do antissemitismo para fins propagandísticos. Mas seria subestimar sua importância como crença ideológica, para Hitler, considerá-lo apenas como uma técnica de mobilização.
Ele tinha origem judaica?
Isso é um mito.
Ele nunca lamentou os crimes que cometeu?
Não, porque nunca os viu como crimes.
É possível outro Hitler hoje?
Não, a menos que houvesse outra conflagração ou um colapso completo do sistema financeiro global. Ainda assim, tais ambições de domínio mundial por meio de uma guerra seriam muito improváveis na Europa atual.
HITLER
AUTOR Ian Kershaw
TRADUÇÃO Pedro Maia Soares
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 78 (1.078 págs.)

Fonte: FSP

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