terça-feira, 31 de maio de 2011

Quem cobra o Ecad?

Acabei de receber por email. Isso me assusta. Que merda é essa?

Dez histórias mostram por que o órgão de arrecadação dos direitos autorais em música não funciona

LEOPOLDO MATEUS E NELITO FERNANDES
Descrição: Guillermo Giansanti
SEM FISCALIZAÇÃO
Acima, o escritório do Ecad no centro do Rio, onde é feita a conferência da execução de músicas. Abaixo, reprodução de um e-mail em que dirigente de associação denuncia outro por partilha de honorários com advogados. O Ecad não está submetido a controle externo


O Escritório Central de Arrecadação (Ecad), órgão fundado em 1976 para arrecadar centavo a centavo de cada música tocada no Brasil e repassar aos artistas os direitos por sua execução, é como o samba. Não existe paralelo no mundo. Isso acontece por três motivos:
1) Em nenhum outro país um órgão de administração de direitos autorais reúne tantas associações de músicos, compositores, intérpretes, arranjadores e autores de música. O Ecad é formado por nove associações, que funcionam como sindicatos. Cada profissional escolhe sua preferida. “O Brasil tem, sozinho, o mesmo número de associações que, juntos, Portugal, Estados Unidos e Espanha”, diz Daniel Campello Queiroz, advogado especialista em direitos autorais e sócio diretor da Up-right, empresa que administra o direito de artistas como Zeca Pagodinho.
2) Pelo Ecad circula uma dinheirama sem fim. No ano passado, o órgão arrecadou R$ 432 milhões. No mesmo período, as receitas da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que administra outro símbolo do país, não passaram de R$ 263 milhões.
3) Finalmente, falta fiscalização. Livre de qualquer tipo de controle externo, o Ecad se acostumou a viver sem dar explicações. Só a partir de 2005, passou a publicar balanços. Tal liberdade é assegurada por uma interpretação da Constituição de 1988 que, no artigo 5º, impede a interferência do Estado em associações profissionais. De acordo com um estudo sobre a gestão de direitos autorais em 136 países, a fiscalização do governo está presente em 114 deles, segundo o sociólogo Alexandre Negreiros, e doutorando em musicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Por tudo isso, o Ecad há muito tempo virou sinônimo de descaminho e extravio de dinheiro para o bolso de alguns, já que os músicos, historicamente, reclamam de que pouco recebem por suas obras. “É muita gente fazendo a mesma coisa e fazendo mal”, diz o advogado Campello Queiroz.
Quando Ana de Hollanda tomou posse como ministra da Cultura, no início do ano, o Ecad voltou a se tornar foco das atenções. Ela despertou, nas redes sociais, a ira dos defensores de uma política menos rígida em relação à propriedade intelectual ao empossar no cargo de diretora de Direitos Intelectuais a advogada Marcia Regina Barbosa, um nome considerado próximo ao Ecad. Voltaram a pipocar então denúncias de fraudes e irregularidades, como a revelação de que “laranjas” receberiam direitos referentes a trilhas de filmes famosos. No Senado Federal, foi protocolado o pedido de abertura de uma CPI para investigar o escritório de direitos autorais e levantar irregularidades na entidade. Nas últimas quatro semanas, ÉPOCA coletou dez histórias de fraudes, irregularidades ou comportamentos questionáveis do Ecad.
Descrição:    Reprodução
Descrição:    Divulgação

1. Partilha de honorários entre dirigentes e advogados
Os processos movidos pelo Ecad contra empresas e emissoras de rádio e TV são um bilhete de loteria para seus funcionários. A cada processo ganho na Justiça, o Ecad distribui um bônus de 1,5% do valor da sentença a seus advogados, que já recebem salário da instituição. Segundo a Ordem dos Advogados do Brasil, essa é uma prática incomum em instituições privadas. Só numa dessas ações, em junho de 2001, o Ecad ganhou R$ 23,5 milhões da operadora de TV Sky. Aos advogados, portanto, caberia R$ 345 mil.
Esse tipo de butim já gerou disputa entre os principais dirigentes do Ecad. Numa troca de e-mails entre diretores das associações que compõem o órgão, obtida por ÉPOCA, José Antonio Perdomo, presidente da União Brasileira de Compositores (UBC), acusou Roberto Mello, presidente da Associação Brasileira de Música e Artes (Abramus), de pressionar advogados para receber metade dos honorários de uma ação judicial que ainda nem sequer foi julgada. “Para você é normal um presidente de sociedade pressionar um funcionário a dividir com ele os seus honorários?”, pergunta Perdomo, no e-mail. Nele, Perdomo atribui a Mello a seguinte frase: “Pelo que fiquei sabendo, essa já é uma prática há muito tempo corrente no Ecad, inclusive envolvendo advogados, até de sociedade”.
Questionado, o Ecad disse que não se manifesta sobre mensagens de diretores de associações. O órgão disse também que só pagou a comissão de 1,5% aos advogados em um caso de ação envolvendo a TV Bandeirantes. Atas de reuniões do órgão obtidas por ÉPOCA, porém, mostram a aprovação de pagamentos a advogados em pelo menos três ocasiões, com valores que variam de R$ 100 mil a R$ 300 mil. Numa reunião realizada em 24 de agosto de 2000, o representante da Amar, outra associação integrante do Ecad, protestou contra os pagamentos, “já que os advogados são empregados do Ecad e recebem salários mensais”. Apesar do protesto, a assembleia do órgão aprovou um pagamento de R$ 100 mil.
2. Falsificação de assinaturas
Em maio de 2006, a associação de músicos Átida foi excluída do Ecad. s Seus músicos foram transferidos para outras instituições. Pelo menos 28 deles, porém, foram transferidos para outra entidade, depois que suas assinaturas foram falsificadas, conforme mostra um relatório de sindicância interna do Ecad a que ÉPOCA teve acesso. A grande beneficiária com a fraude foi a associação Acimbra, para onde foram transferidos os 28 músicos. Durante todo o ano de 2005, a Acimbra recebeu R$ 64 mil, enquanto a Átida embolsou R$ 3,4 milhões. Depois da exclusão da Átida e da incorporação dos novos membros, a Acimbra recebeu, só nos meses de maio e junho de 2006, R$ 571 mil, mais de oito vezes a soma do ano anterior. O Ecad afirma que a notícia crime foi apresentada pelo próprio órgão e que isso gerou um inquérito policial na 10a DP de Botafogo, no Rio de Janeiro. Na queixa, o Ecad figura como vítima.
3. Pagamentos à associação extinta
Os balanços do Ecad de 2008, 2009 e 2010 registram pagamentos para a Átida, associação de músicos excluída da entidade em 2006. Os valores são respectivamente de R$ 127 mil, R$ 115 mil e R$ 110 mil. O presidente da Átida, Mário Henrique de Oliveira, afirma que a associação não recebeu um centavo dessas quantias. “A Átida nem conta bancária tem”, diz. Apesar de os balanços de 2008 e 2009 mostrarem desembolsos para a Átida, o Ecad confirmou apenas os pagamentos de 2010.
4. Patrocínio para magistrados
Envolvido em constantes e inúmeras ações judiciais, o Ecad acatou proposta da Academia Paulista de Magistrados e patrocinou, em setembro de 2004, o Primeiro Congresso Mundial de Gestão Coletiva de Direito Autoral. O Ecad pagou a cota de patrocinador master, R$ 200 mil. Numa das atas de suas assembleias, o Ecad se vangloriou de ser “o patrocinador exclusivo dentro de seu segmento de mercado”.
Em resposta, o Ecad diz que, como qualquer instituição privada, prevê ações voltadas para a “comunicação com o mercado e visibilidade de imagem”. “É de extrema importância para o direito autoral o esclarecimento e a disponibilização de informações sobre o assunto para magistrados, já que eles são fundamentais para que a valorização e a remuneração do trabalho destes titulares seja reconhecido pela sociedade”, afirmou o Ecad em comunicado.
Descrição:    Reprodução
QUEM RECEBEU? 
Uma reprodução de balanço do Ecad mostra desembolsos para a associação Átida. Os diretores da associação dizem que o dinheiro não chegou

5. Apropriação de ganhos judiciais
Em outubro de 2001, o Ecad recebeu R$ 19,5 milhões do SBT, referentes a uma ação judicial. O valor deveria ser dividido entre todas as associações, mesmo aquelas que faziam parte do Ecad, mas estavam fora do órgão no momento da vitória judicial (Sadembra, Anacim e Sabem). Sob a alegação de que elas haviam sido excluídas, o Ecad não pagou o porcentual de direito das três. O caso gerou uma ação que tramita na 14a Vara Civil da Comarca do Rio de Janeiro. Enquanto isso, os compositores vinculados às três associações naquela ocasião ainda não viram um centavo cair em suas contas.
6. Governança autoritária
A Sadembra foi expulsa do Ecad em abril de 1999, como registra a ata 212, por discordar recorrentemente de posturas adotadas pelo órgão. No fim de 2001, preocupados com o fato de “os rendimentos estarem minguando”, como escreveram num texto, os diretores da Sadembra enviaram uma carta pedindo ao Ecad a readmissão. Na carta, comprometeram-se a retirar todas as ações judiciais contra o Ecad, a “não dar qualquer entrevista aos meios de divulgação, fazendo pronunciamento sobre o Ecad” e a “não fazer qualquer restrição aos direitos conexos, nem contra as atividades da indústria fonográfica, nacionais ou internacionais”. Mesmo assim, a Sadembra só foi aceita de volta como “administrada”. Tradução: não recuperou seu porcentual de 6,16% de votos na assembleia-geral. O Ecad justificou as exigências e disse que, entre os deveres das associações, está “evitar atos que comprometam a defesa dos direitos autorais”.
7. Proibição de gravações
Apesar de todas as atas de assembleias do Ecad serem registradas em cartório, alguns dirigentes do órgão temem que assuntos discutidos nas reuniões se tornem públicos. Na ata 311, consta que Jorge Francisco da Silva, representante da associação Sicam numa das assembleias, tentou ligar um gravador para registrar o que era dito. O presidente da assembleia, Jorge Costa, exigiu que a fita fosse entregue e foi atendido. Na ata, ficou registrado que o representante da Sicam seria responsabilizado pela divulgação do conteúdo da fita, caso isso ocorresse. Em resposta, o Ecad afirma ser uma instituição privada e diz que não há nenhuma obrigatoriedade legal para liberar a gravação de reuniões.
8. Bônus em ano de deficit
Em dezembro de 2002, mesmo tendo apresentado deficit em seu balanço anual, o Ecad distribuiu, a título de prêmio, para superintendentes, gerentes e chefes de sucursais, R$ 500 mil.
9. Sumiço de documentos
Em maio de 2006, a associação de músicos Átida foi expulsa do Ecad por denúncias de irregularidades. Fora do Ecad, a Átida trocou de diretoria. Em agosto de 2006, um novo dirigente, Mário Henrique de Oliveira, assumiu a associação. Interessado em esclarecer as irregularidades que levaram à exclusão, Oliveira comunicou ao Ecad a instauração de um inquérito no 3º Distrito Policial de São Paulo para apurar as denúncias e pediu acesso aos documentos que comprovassem as fraudes. A assembleia-geral do Ecad decidiu que os documentos teriam de ser enviados à Átida. Embora o Ecad afirme que a documentação foi enviada à Atida e ao Ministério da Cultura, Oliveira afirma: “Até hoje os documentos não chegaram. Já refiz o pedido mil vezes”.
10. O caso Dussek
O cantor Eduardo Dussek move uma ação contra o Ecad por causa do tema de abertura da novela As filhas da mãe, da TV Globo, do qual foi autor e cantor. “Fui remunerado infimamente, em valores que não chegam a 10% do que deveria ter recebido”, disse Dussek, por e-mail. Dussek diz que recebeu R$ 3 mil como compositor e nenhum centavo como cantor. “Prefiro não falar sobre valores porque estão sub judice, mas eu deveria ter recebido o valor de um bom apartamento”, diz. Apesar de a música ser tema de uma novela, ela não constava corretamente do catálogo do órgão. “O Ecad ignorou que alguém cantava a música. Não me pagou nada como intérprete”, diz ele. O Ecad diz que Dussek recebeu R$ 9.072,06 pela música. Segundo o órgão, Dussek consta como intérprete no banco de dados desde 2001 e divide os direitos com outros profissionais, como músicos. Embora atribua a responsabilidade pela medição das execuções à emissora de televisão, o próprio órgão também faz esse controle, num escritório no centro do Rio, conforme mostra a foto que abre esta reportagem.

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