segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Será que a universidade te faz mais inteligente?

Por Flávio Paranhos


Será que as universidades, em seu esforço de aumentar o número de alunos formados, e estes, felizes, emburreceu seus currículos? Se sim, quem se deve condenar? O que devem fazer os pais e os pagadores de impostos federais?


O debate abaixo saiu na sessão ‘Room for debate’, do "New York Times". Traduzi a introdução integralmente, mas as posições de cada debatedor eu resumi. No final está minha própria opinião, a quem interessar possa. Quem quiser conferir se eu fiz besteira, eis o link pro original.
Primeiro foi a notícia de que estudantes universitários norte-americanos estudam bem menos do que costumavam estudar.  Agora sabemos, pelo livro recém-publicado “Academicamente à deriva”, que 45% dos graduandos dos EUA aprendem muito pouco em seus primeiros dois anos de universidade.
O estudo, realizado por dois sociólogos, Richard Arum, Da Universidade de Nova York, e Josipa Roksa, da Universidade da Virginia, também constatou que metade dos estudantes pesquisados não se inscreviam em cursos que requeressem 20 páginas de texto escrito no semestre anterior (ao da pesquisa), e que 1/3 não se inscrevia em cursos que requeressem 40 páginas de leitura por semana.
Essa pesquisa foi recebida com algumas críticas. Mas a grande questão é: Será que as universidades, em seu esforço de aumentar o número de alunos formados, e estes, felizes, emburreceu seus currículos? Se sim, quem se deve condenar? O que devem fazer os pais e os pagadores de impostos federais?
Debate:
C. Kent McGuire. Ex-reitor da Faculdade de Educação da Universidade Temple, atual presidente da Fundação Sulista de Educação.
(Resumo) McGuire primeiro questiona o método da citada pesquisa, alegando que os pesquisadores se ativeram a apenas uma forma de acessar o desempenho dos alunos. Mas admite que há dificuldades em se mexer no currículo, e lembra que, com a exceção de algumas universidades de elite, a maioria tem alunos que trabalham e estudam, portanto, com competição por sua atenção em outros terrenos que não a universidade. Além disso, lembra também que o método tradicional de ensino já não é o mais adequado.
Gaye Tuchman, professor de Sociologia na Universidade de Conneticut
(Resumo) Tuchman vai direto ao ponto. Confessa que antes pensava que deveria incutir nos alunos espírito crítico e imaginação criativa. Hoje acredita que deve servir-lhes de instrumento para que consigam bons empregos. Restringe as tarefas de textos escritos ao mínimo. Lembra que, ao contrário de anos atrás, hoje a maioria dos alunos pega empréstimos para pagar até mesmo universidades estaduais que já foram gratuitas. Quando se formam estão endividados. Tuchman lembra ainda do mantra “publica ou perece”, que condena professores que não publicam muito a serem “castigados” com muitas horas de sala de aula, enquanto os que publicam conseguem melhores salários e grants de pesquisa.
Leon Botstein, diretor musical e maestro da American Symphony Orchestra e da Jerusalem Symphony Orchestra, presidente do Bard College.
(Resumo) Botstein pergunta: Por que a surpresa? Pois os alunos já vem bitolados do ensino médio, viciados num jeito errado de estudar e apenas preocupados com provas e testes medíocres, sem o hábito de exercitar a mente por terrenos até por vezes contra-intuitivos, que caracterizam a criatividade em ciências. Por outro lado, acredita Botstein, as próprias universidades fazem pouco para mudar essa realidade. Oferecem cursos introdutórios que, ou são ministrados por pós-graduandos, ou que refletem apenas os interesses do professor, muitas vezes sem qualquer vínculo com a realidade do aluno. Botstein, assim como Tuchman, critica o enfoque em pesquisa das universidades americanas, relegando a segundo plano os cursos de graduação mais básicos.
Sean Decatur. Reitor de Artes e Ciências e professor de Química e Bioquímica do Oberlin College e membro do comitê da Association od American Colleges and Universities.
Decatur analisa alguns achados do citado livro (Academicamente à deriva), que mostram dados interessantes. Alunos que cursaram disciplinas mais “liberais” (artes e ciências sem aplicação prática imediata), saíram-se melhor nos testes utilizados para acessar desempenho acadêmico do que os que cursaram disciplinas tipicamente “pré-profissionais” (nota: nos EUA, muitas vezes, os Colleges são utilizados para adquirir créditos pré-curso principal, mas uma pessoa pode também escolher disciplinas como Filosofia ou Matemática e ainda assim entrar pra uma Escola de Medicina, desde que também tenha feito os créditos obrigatórios). Decatur salienta que tais cursos, por aprimorarem muitas habilidades necessárias também aos profissionais de hoje, além daquelas diretamente relacionadas à sua profissão, torna-os diferenciados e, portanto, acabam sendo úteis (olha aí, turma das Artes e Humanidades, vocês servem pra alguma coisa!).
Philip Badcock. Professor-assistente de Economia da Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara.
Publicou um estudo pelo qual demonstrou que os estudantes universitários norte-americanos da década de 1960 estudavam, em média, 24 horas por semana, enquanto os atuais, apenas 14. Pondera que não se pode creditar essa mudança significativa aos instrumentos de estudo disponíveis modernamente, pois muito dessa mudança já ocorreu antes destes. Esclarece ainda que os achados são os mesmos para os que trabalham e estudam e para os que só estudam. Badcock pergunta: se as próprias universidades exigem menos de seus alunos, como esperar que eles apresentem mais?
Mark C. Taylor. Chefe do Departamento de Religião da Universidade Columbia.
Também culpa a superespecialização que a demanda por publicação cria. O professor tem menos incentivo para ensinar. Ou os cursos criados têm pouco a ver com as demandas dos graduandos. Por outro lado, há a pressão econômica, que faz demitir professores e admitir mais alunos, fazendo surgir classes superpovoadas, o que torna difícil o aprendizado ideal.
George Leef. Diretor de pesquisa do Centro John William Pope para Políticas de Ensino Superior.
A maioria dos estudantes do nível médio não tem experiência com trabalhos acadêmicos sérios. Estes só esperam da universidade que seus cursos tenham boa “empregabilidade” (nota: tem uma faculdade aqui em Goiânia que ostenta esse “título” com orgulho, mas eu me esqueci qual). As universidades, por sua vez, querem atrair mais alunos e por isso vão diminuindo o nível de exigência de seus cursos. Estas proliferaram.  Assim, o que passa por “ensino superior” acaba sendo pouco diferente do ensino médio. A propósito, os empregos que os formados acabam conseguindo são muitas vezes os que nem exigem curso superior.
Flávio R. L. Paranhos. Professor de Bioética da Graduação e Mestrado — PUC-Goiás. Membro do Comitê de Ética em Pesquisa do HC-UFG.
Quem chegou até aqui deve ter percebido quanta coisa de lá vale pra cá. Vulgarização e, mesmo, esculhambação do ensino superior, camuflado de democratização. Responsáveis pelos assustadoramente numerosos cursos caça-níqueis. Publicação como critério para receber dinheiro, forçando professores sem nenhuma vocação pra pesquisa, realizá-la, é algo profundamente nocivo. Isso, nas áreas da saúde, é um desastre. Toneladas de pesquisa redundante e/ou irrelevante submetendo os sujeitos de pesquisa (humanos ou animais) a estresse inútil, quando não a riscos. O tal do TCC é um crime. Deveria ser proibido nas áreas da saúde. Ou transformado em pesquisa estritamente bibliográfica. Professores não deveriam ser obrigados a pesquisar (quem está falando isso é um apaixonado por pesquisa!). Quem acha que vocação pra ensino e pra pesquisa são coincidentes está redondamente enganado, e deveria ler o ótimo “A face oculta da univerisdade”, Ed. Unesp, de Wladimir Kourganoff.

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