quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

"Prefeito de Salvador é medíocre", diz Fátima Mendonça


Bob Fernandes
De Salvador (BA)
O centenário e célebre terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, guiado pela venerada "Mãe Stella", é o cenário. A reinauguração das casas de Iemanjá e Oxalá é o motivo para o encontro. Ali estão a ministra da Cultura, Ana de Hollanda, o governador da Bahia, Jaques Wagner, cinco deputados federais, secretários de estado e dirigentes do Patrimônio Histórico. Mas é a Maria de Fátima Mendonça, a Fatinha, que se dirigem filhos e filhas de santo, o "povo do candomblé". Ela, de vestido branco no dia de Oxalá, ouve a cada passo:
- Tá na hora de uma mulher... é sua vez, Fatinha... chega desses caras, agora é você... seja a prefeita, Fatinha... é Dilma lá e você aqui...

Fátima Mendonça, filiada ao PV, é casada com Jaques Wagner, o governador, e esse é um dos obstáculos - no caso, legal - para que ela se decida a ser ou não candidata à prefeitura de Salvador num momento em que o prefeito, João Henrique, dispensaria maiores desqualificações.
Além dos tradicionais índices de miséria e desemprego, da sujeira, abandono, do desrespeito ao bom senso e às leis, a transformação da cidade num pasto para apetites imobiliários fala por João Henrique e sua Era. Um tempo que marca negativamente a história de Salvador e que irá custar caro, muito caro à cidade.
É nesse ambiente de desesperança e de morda mais quem puder morder que, depois de notas na mídia aqui e ali, começa a se alastrar o zum-zum-zum sobre a hipótese da candidatura Fátima Mendonça à prefeitura de Salvador.
Enquanto advogados e políticos discutem se ela pode ou não ser candidata,Terra Magazine foi ouvi-la a respeito, uma vez que a simples irrupção da hipótese já diz muito.
- Eu sou uma esperança - resume Fátima Mendonça, a Fatinha.
Já há mais de uma década, a Bahia mergulhou num estado de estagnação, de mediocridade cultural segundo definição do antropólogo Antonio Risério. Somem-se a isso os índices econômicos de Salvador, a miséria e a degradação na cidade e é possível entender o porquê da sôfrega busca por "uma esperança".
Fátima Mendonça, a Fatinha, não tem, como ela mesma reconhece, "papas na língua" e costuma dizer o que pensa, sente. Não por outro motivo o marido, o governador Jaques Wagner, escaldado, responde quando perguntado sobre a possível candidatura da mulher:
- Somos um casal harmônico, mas somos, ao mesmo tempo, duas individualidades.
E quanto à questão legal?
- Há visões divergentes, tem quem entenda não ser possível, tem quem entenda ser perfeitamente legal - já disse o governador a amigos.
E Fátima Mendonça será candidata prefeita de Salvador?
Esta pergunta já foi feita ao próprio Wagner por, pelo menos, dois grandes interessados. Um deles o prefeito João Henrique e o outro o deputado federal Nelson Pellegrino, do PT, que não esconde o desejo de novamente se candidatar.
A construção da candidatura de Fátima seria árdua mesmo no campo oficial e é evidente que a palavra do governador é decisiva, mas, vista a questão por outro ângulo, o simples murmurar das ruas sobre a alternativa amplia o raio de ação de Jaques Wagner e dá a ele condições de pilotar ainda mais o ritmo do processo. Afinal, ao menos dentro do espectro da aliança governista, que outro postulante há de se precipitar enquanto persistir a hipótese Fátima Mendonça?
Ao longo desta conversa com Terra Magazine, Fátima Mendonça começa por elencar as dificuldades; legais, conjunturais, mas logo em seguida diz sentir, no mesmo murmurar das ruas, a comichão, a dúvida que faz avançar. É ela mesma que se pergunta:
- Será, Maria de Fátima, que sua missão é essa?
Enquanto o carro oficial avança por avenidas onde vicejam atestados de avacalhação imobiliária, Fátima incorpora o papel de candidata. E, para tanto, não poupa o prefeito João Henrique, eleito pelo PMDB, aliado do governo no início, alavanca de Geddel Vieira Lima na eleição municipal de 2008 e agora, como a cidade, perdido no limbo. Sem partido, sem projeto algum. Salvo... Fátima Mendonça com a palavra:
- ...ele (João Henrique) fica nessa coisa, nessa conversa... e, no fundo, no fundo, eu... ele sabe o que é que ele quer...
(Sabe. Ele e a cidade inteira sabem.)
Terceira capital do país com 2 milhões e 600 mil habitantes, Salvador tem um dirigente "medíocre", na percepção de Fátima Mendonça. Que na conversa que se segue, diz ainda:
- A miséria é uma vergonha, o metrô é uma vergonha, a Saúde é uma vergonha, a Educação é uma vergonha, a ocupação territorial desta cidade é triste, triste (...) quando se vê já tá subindo um "cacete armado", só dizendo assim, como se diz aqui na Bahia (...) e aí você pergunta: "Como foi feita essa negociação?" Ninguém sabe... É muita pobreza de espírito, muita mediocridade (...) desencaminharam minha cidade, nossa cidade...
E ela, Maria de Fátima Mendonça, a Fatinha, será candidata a prefeita de Salvador?
Resposta:
- ...Talvez...

Confira abaixo a íntegra da conversa com Fátima Mendonça:

Terra Magazine - Sexta-feira, de Oxalá, estivemos em solenidade com Mãe Stella no centenário terreiro Ilê Axé Opô Afonjá e do que se pode ver e ouvir por lá, onde estavam cinco deputados federais e secretários de Estado, foi possível perceber claramente duas coisas... 
Maria de Fátima Mendonça - O quê?

Que tem pré-candidatos à prefeitura de Salvador preocupados com uma hipotética candidatura sua e que muita gente já lhe pede para ser candidata a prefeita, lhe oferece apoio... O que você pensa dessa hipótese? 
Olha... nunca na minha cabeça... eu sempre disse que acho difícil, estranho, encarar alguma coisa de cargo eletivo, de colocar meu nome para algo assim. Sempre me achei muito mais como alguém que pode ajudar do que de outra forma... não sei se é porque, por formação profissional, sou enfermeira. Acho que colaboro muito mais assim... e eu vejo o que sofre meu marido (Jaques Wagner, governador da Bahia).

...é uma questão de "estômago"?
Acho que sim. Eu vejo como Jaques sofre e eu jamais, jamais seria candidata a alguma coisa tendo que conviver com esquemas, eu não sou mulher disso, não suporto esse negócio de "esquemas"...

O que você quer dizer com "esquemas"?
É você ficar devendo. O cara quer te ajudar, te ajuda, mas quer te ajudar porque depois vai querer alguma coisa em troca. E como fazer campanha sem dinheiro? Começa do próprio povo, que tem que se reeducar, a quem temos que dizer "não adianta pedir emprego para político, dinheiro", não é assim que as coisas devem ser. Uma campanha hoje em dia é coisa de milhões de reais...

Todo mundo pede, do grande empresário ao homem da rua? 
Todo mundo pede... e eu não gostaria, não ia querer ficar refém de nada, nunca. Isso já é uma coisa que corta meu barato, meu tesão, porque eu sei que pra fazer campanha tem que ter grana, e eu não tenho grana pra isso...

E então? 
...meu coração sempre disse isso, eu brincava sempre dizendo "gostam de mim? Me querem?" Mas...

...Mas, como as "nuvens se movem" na política, assim como na vida... 
...Isso, e eu também não sou uma pessoa rígida ao ponto de não querer mudanças para melhor, sempre... começou essa onda, primeiro os amigos, depois começou a crescer, e como esse é o ano da mulher, de Iemanjá e de Iansã, que é a minha santa, é o ano da mulher, de Dilma que se elegeu a primeira presidente do Brasil, de Lídice da Matta, a primeira senadora da Bahia, e o próprio povo, o povão mais humilde chegando e dizendo...

...Isso eu vi e ouvi lá em Mãe Stella... 
Pois é, eles chegando e dizendo "tá na hora de uma mulher"; "você não acha que tá na hora de uma mulher?" e eu tenho a minha forma de ser, de fazer e de dizer as coisas, sou autêntica, despachada, sem papas na língua, gosto de dizer as coisas ao meu estilo... Acho que o problema agora é o povo mais pobre, o povo mais humilde, que está sofrendo com tudo isso...

"Tudo isso" seria... 
Salvador, a cidade como ficou, como está... então ficam achando e dizendo "ela é retada, ela vai chegar e botar logo pra quebrar..." e isso tá rendendo, rendendo conversa, se ampliando...

Se tá rendendo, daqui a pouco você pode estar diante de uma encruzilhada, real, verdadeira... 
É verdade... na verdade é uma onda...

Que consultas você tem que fazer? Há quem vai ouvir para decidir se vai querer mesmo encarar a hipótese ou não? 
Primeiro, ouvir a Deus, depois ouvir a mim mesma, ao meu coração, em seguida ao meu marido, que é o governador, ouvir a presidenta Dilma e ao meu querido amigo Luiz Inácio (Lula da Silva), por quem sou louca para sempre. E, claro, preciso ouvir o povo...

Ouvir... 
Ouvir, por exemplo, com pesquisas... mas antes disso tem um problema, que é o problema legal...

Por você ser casada com o governador... 
Sim, não sei se a lei permite, tem essa coisa do parentesco... já tá até havendo divergências, tem advogado que diz que não pode, outros dizem que pode, existem várias leituras sobre isso, mas isso é uma das questões, antes há todas estas outras que falamos até agora...

E o que diz o governador, seu marido? 
O próprio Jaques me perguntou o que eu penso sobre isso...

Sim, ele tem dito para amigos que vocês são um casal mas são, também, duas individualidades... 
...Olha, por incrível que pareça, desde o início deste mês, quando essa história começou a se alastrar, eu sinto uma verdade tão grande no que as pessoas... principalmente as do povo, as que você não conhece... eu sinto uma verdade tão grande no que elas dizem, no apoio que dão, que eu comecei a sentir aquela coisa espiritual, como se fosse o chamado para uma missão...

E aí? 
Você começa a pensar: "Será, Maria de Fátima, que sua missão é essa?". Eu preciso, a gente precisa fazer alguma coisa por Salvador, por essa cidade tão linda...

Pra quem vai e volta de Salvador, pra quem os olhos não estão empanturrados da cidade, o que tá acontecendo é um delírio. Sabemos que acontece em quase todas grandes cidades, capitais do Brasil, mas além da miséria, a degradação, a avacalhação urbanística, a depredação imobiliária em curso em Salvador são assustadoras pela velocidade, pela cara de pau... 
Isso, isso, e acho que a cidade agora só tem jeito se acontecer uma união nos três níveis, municipal, estadual e federal, se a cidade for administrada com apoio total dos três níveis... Se não for uma pessoa ligada nestes três níveis, não tem como dar certo. Talvez seja por isso, por essa sensação de falta de perspectiva, que as pessoas fiquem nesse pedido que, claro, tem um pouco de fantasia...

Que fantasia? 
De "ela é mulher do governador, é amiga da presidenta"... porque, olha, só algo muito forte, porque essa cidade como está não tem saída...

Por quê? 
Porque o que se colocou aqui, se levou... Acho que o prefeito (João Henrique) tem que fazer um mea culpa, porque ele não teve a responsabilidade de um gestor na minha cidade, na minha terra, na minha Salvador...

Você se refere, por exemplo, à desabrida, descarada especulação imobiliária? 
Me refiro a tudo... A miséria é uma vergonha, o metrô é uma vergonha, a Saúde é uma vergonha, a Educação é uma vergonha, a ocupação territorial desta cidade é triste, triste...

Para dizer o mínimo... 
Tem um amigo, Chico Diaz, ator, ele é arquiteto de formação, ele diz: "Maria, não aguento chegar a Salvador e ver uma coisa horrorosa dessa, olhe a orla, olhe o que estão fazendo, Salvador é bonita da beira do mar para fora"...

Muitas vezes, por ignorância dos efeitos da especulação ou safadeza mesmo, muitos usam aquele papo chulé de "a orla tá cheia de borracharia" porque o que querem é escancarar, liberar geral nos gabaritos, e foi assim que se chegou a isso aí... me refiro é ao evidente, desastroso estupro imobiliário a que está se submetendo a cidade... 
Claro, claro, me refiro também a isso, ao que está acontecendo na Avenida Paralela e tudo o mais, por toda a cidade. Você nem entende, quando se vê já tá subindo um "cacete armado", só dizendo assim, como se diz aqui na Bahia...

Na Paralela, por exemplo, estão subindo, ao mesmo tempo, dezenas, talvez uma centena de prédios, óbvio que sem planejamento algum, na mão grande... 
Pois é, e aí você pergunta: "Como foi feita essa negociação?" Ninguém sabe... É muita pobreza de espírito, muita mediocridade desses dirigentes, e já há tempos... veja o metrô, o dinheiro que se gastou nesse metrô dava para...

...Você fala em "mediocridade" de "dirigentes" da cidade. Hoje, o "dirigente" é João Henrique... 
É, pois é isso mesmo, é medíocre... ele fica nessa coisa, nessa conversa... e, no fundo, no fundo, eu... ele sabe o que é que ele quer...

E o que ele quer? 
...Não sei... ele deve saber o que ele quer...

...Acho que ele sabe... 
...O que ele não sabe é do que a cidade precisa... disso ele não tem noção, porque nada do que importa tá se fazendo aqui.

A propósito, há declarações suas favoráveis à construção da ponte Salvador-Itaparica, projeto bilionário anunciado pelo governador. Não há aí uma contradição, a ponte não seria essa coisa de se ir fazendo obras, construções sem planejamento, sem que se pense primeiro a cidade e a região como um todo? 
Vou explicar direito do que sou a favor, senão fica só mais uma frase solta. Primeiro, a ponte, a ponte mesma se ela vier a existir, ela deve ser tão leve, deve ser tão pouca e adequada sua interferência, sua integração à Baía de Todos os Santos deve ser tanta, tão leve que nem se sinta a existência da ponte do ponto de vista arquitetônico...

Sim... 
...e claro que defendo que a ponte não seja uma coisa solta, que seu impacto seja planejado com todo cuidado. Esse é um projeto que tem que ter a ver com outras modificações, melhorias e modificações urbanas na cidade, na zona do Comércio, do Porto, da Cidade Baixa. Não sou a favor de uma ponte solta na Baía (de Todos os Santos), sou a favor, isso sim, de um projeto que, se acontecer, seja integrado às muitas modificações que a cidade e a região precisam. E eu confio no governador, eu sei que ele faz, que ele só faria qualquer obra, ainda mais uma obra como essa, cercado por todo planejamento, cuidado, com atenção a tudo, a todos os aspectos...

Olha, tô ouvindo você falar e tô vendo alguém com vontade de se candidatar a prefeita... 
Ele até perguntou se eu sou candidata...

Peraí, quem perguntou a quem? 
João Henrique, ele perguntou a Jaques...

Perguntou o quê, como? 
Perguntou se eu seria candidata a prefeita.

E o que o governador respondeu? 
Disse, acho que pensando em como a cidade está, que "só se ela for maluca"...

E disse mais alguma coisa? 
Sim, lembrou ao prefeito que, "se disser não a ela, aí é que complica, porque ela não é uma mulher a quem se possa dizer o que deve fazer ou deixar de fazer, ela ouve, pondera, mas é ela quem toma suas próprias decisões".

E o João...? 
Disse que eu daria "uma boa vice", que como vice eu formaria uma chapa forte...

Pano rápido... Voltemos ao seu desejo de ser ou não candidata... 
...Olha, não sou eu, não sou só eu, não tem um lugar na cidade que eu vá, e eu vou a todo lugar, que as pessoas não reclamem, não cobrem sobre o abandono da cidade. E não é só na periferia, nos bairros pobres... e muitas vezes são coisas equivocadas, como pedir para tirar das ruas uma pobre ambulante que está vendendo uma comida para sustentar os filhos, como outro dia alguém me pediu na Barra...

Pois é, vendedor não pode, barraca não pode, agora pode derrubar o Clube Espanhol para fazer um prédio à beira-mar, pode aquele "navio" onde era o Trapiche Adelaide, pode espigão grotesco em qualquer lugar... 
Tudo pode, o que não pode é um pobrezinho sair com seu isoporzinho para vender uma coisa qualquer que sustenta a família porque aí incomoda... Ora, o que incomoda é a pobreza! O que deveria incomodar é a pobreza. Como disse Dilma, e eu adorei, um país, uma cidade se engrandece quando acaba com a pobreza. Às vezes, quando saio e chego de Salvador, olho lá de cima, do avião, e penso: "Meus Deus! Que cidade louca é a minha! Uma cidade maravilhosa e totalmente desencaminhada...". Olha, pra isso que absurdo...

(Neste momento da conversa estamos passando pela Avenida Paralela e seus paliteiros em construção)
...Então é isso, desencaminharam minha cidade, nossa cidade. Há muito tempo vem se fazendo isso, mas agora exageraram... por isso essa busca por alguém, por isso me veem assim... por isso eu sou essa esperança...
E então...? 
...Talvez...

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