domingo, 19 de dezembro de 2010

Eduardo Galeano e o Brasil

Esse textos foi escrito e publicado no final de 2009. Contudo o achei interessante ao ponto de dá-lo outra oportunidade aqui em nosso FALA. 



Ivan Lessa em ilustração de Baptistão
Eduardo Galeano. Isso mesmo. Uruguaio. Escritor. Perto dos 70 anos. Mais de 40 livros publicados. Quase todo traduzido. Para o português, para o inglês. Ele vai de história, ficção, poesia, jornalismo, análise política e o que mais lhe passar na frente. É um desses homens, radicais, que, sozinho, redime intelectualmente um continente. Conheci-o brevemente. Rio de Janeiro, anos 70, redação do Pasquim. Era amigo do Jaguar (quem não é amigo do Jaguar?), levou lá até a casarona na Saint Roman mais de uma matéria. Todas sobre a América Latina e seu árduo e ingrato papel desempenhado através dos séculos no continente. Principalmente naquela época do Pasquim, quando se atravessava e éramos atravessados pelos Anos de Chumbo. Não entendi o Galeano não ser preso imediatamente ao desembarcar no Galeão. Inclusive pela ressonância dos nomes. Da mesma maneira como não entendia nós, do jornaleco, estarmos também à solta, ou, mais complicado ainda, qual a razão de se tentar – eu disse tentar – fazer um hebdomadário satírico-humorístico naquele momento, naquele país.
Daí ele foi para um lado, nós para outro. Eu principalmente fui para um outro muito outro. Acompanhava, aqui de Londres, desde 1978, o que ele andava escrevendo e que aqui chegava. Também me lembro de seus depoimentos, sempre eloquentes e apaixonados, como ele, em um ou outro documentário britâncio que levavam aqui na televisão. Eram raros, mas impossíveis não assistir. Depois, perdi seus escritos de vista. Até que, agora, no começo deste ano de 2009, o bombástico Hugo Chávez presenteou o recém-empossado presidente Barack Obama com um exemplar do livro mais conhecido de Galeano,As Veias Abertas da América Latina.
Galeano é responsável ainda pela invenção de um gênero histórico do qual tirou patente. São pequenas narrativas episódicas, discretíssimas, que não levam mais que uma página para iluminar isso e aquilo outro para este e aquele outro leitor. Prepondera, em muitas destas historietas, chamemo-las assim, o elemento humorístico. Não fosse seu humor, sempre corrosivo, o responsável pelo Jaguar ter encomendado texto dele para o Pasquim.
Na onda do presente do presidente venezuelano para o presidente americano (espero que Obama tenha, ao menos, folheado, ou pedido a um assessor que lhe desse um resumo) várias de suas obras foram reeditadas aqui, no Reino Unido, e nos Estados Unidos. Outro dia estive folheando Espelhos: Histórias de Quase Todo Mundo (editora Portobello, 340 páginas, uns US$ 35), que comprei pela sedutoraAmazon.co.uk. São 600 episódios curtinhos narrando a história do mundo, com ênfase, é óbvio, em se tratando de Galeano, na América Latina.
Do meio de tanta história (recuso-me ao “estória”, que é de exclusividade guimaro-roseana), todas contadas com elegância e o mínimo possível de palavras, catei para reproduzir, sem ofender, espero, nenhum direito autoral, ou outro que seja, o seu resumo do fim da monarquia em nosso Brasil brasileiro. Adianto que considero as linhas que se seguem aquilo se pode chamar de clássico instantâneo. Um pouco pois de nós e de Galeano:
Certa manhã, políticos monarquistas acordaram republicanos.
Dois anos depois, a constituição estabeleceu o sufrágio universal. Todo mundo poderia votar, menos as mulheres e os analfabetos. Como quase todos os brasileiros eram ou mulheres ou analfabetos, praticamente ninguém votou. Nas primeiras eleições democráticas, noventa e oito por cento em cada cem brasileiros não compareceram ao chamadodas urnas.”
O livro está nas livrarias do Brasil com o título de Espelhos – UmaHistória Quase Universal. Como toda obra de Eduardo Galeano, foi editado pela L&PM editores. Está em tempo. O presente ideal de Natal para este ano de véspera de eleição.
Fonte: BBC Brasil




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